Marcelo Almeida do Nascimento

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Neste blog você encontrará os textos originais dos meus projetos literários, peças teatrais, roteiros e apresentação de jogos de tabuleiro. osbatutas@yahoo.com.br

Escrever para quê?

O título acima faz parte de uma discussão que termina na seguinte conclusão: Ler para quê? Há muitos anos tenho desenvolvido minha teoria a respeito dos hábitos da leitura e do gosto pela literatura. Por isso estou voltando a usar este blog para discutir um pouquinho sobre a falta de leitura e o comprometimento disso na escrita. Afinal, para que escrever se não há ninguém para ler.



domingo, 25 de abril de 2010

Fotos e Saudades

Lembrar dos tempos idos é lugar comum em comemorações. Ainda mais quando temos um grande passado para comemorar. Como os 450 anos de São Paulo. Uma história gloriosa e edificante, criada por pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo que chegaram a esta cidade, tiveram um arrebatamento amoroso por esta terra, por essa garoa, e acabaram ajudando a construir a nossa cidade de São Paulo.
A cidade será cantada em verso e prosa, suas belezas e riquezas serão enaltecidas, declamações amorosas e votos de um futuro esplêndido serão entoados por toda a cidade. E, invariavelmente, veremos e reveremos fotos.
Fotos antigas, a maioria do início do século passado, retratando particularidades da cidade. Sua geografia naqueles idos, sua gente, suas festas, seus casarios, suas personalidades.
Também observaremos fotos atuais. Da avenida Paulista de hoje, contrastando com a Avenida Paulista de chão de terra e iluminação a lampião de gás de tempos atrás. Do Viaduto do Chá, reinando soberano sob um Vale do Anhangabaú arborizado e urbanizado, com lâmpadas de mercúrio a iluminá-lo durante a noite, em contraste com aquele perdido em meio a um vale cruzado por ruas, carros e pessoas há cinqüenta, sessenta anos atrás.
E ouviremos a palavra saudade. Saudade de um tempo que não volta mais, saudade de uma realidade diferente e adversa da que temos hoje, saudades de uma realidade paulistana evocada sempre a partir das maravilhas dos tempos passados.
Nos mais saudosos paulistanos, seja de alma ou de coração, tais recordações inflam o peito. Fazem brotar no rosto um sorriso plácido, abrilhantam os olhos e faz murmurar entre os lábios a célebre frase de efeito que conhecemos para deixar registrado nossa emoção contemplativa de épocas passadas: Ah, como eram bons aqueles tempos!
Será impossível não falar das épocas passadas nessas comemorações dos 450 anos da cidade. No entanto, serão apenas as épocas gloriosas, aquelas que fizeram jus a um foto, a uma recordação maior, que serão sempre rememorados, não se fazendo menção aos problemas sofridos, e superados, daquele período específico.
O que parece que estas pessoas saudosas de uma São Paulo de tempos atrás não percebem é que a cidade não é ruim nem boa. São Paulo não suporta rotulações, porque é mais que um espaço geográfico densamente povoado. A nossa cidade é puro movimento.
Aqui há um mundo em eterna oscilação e expansão. Sua mobilidade consiste num contínuo estado de mudança entre o ser e o estar de suas ruas, dos seus prédios, de suas indústrias, de suas pessoas. Não é um lugar melhor nem pior do que há 450 anos atrás. Mas é sim, a cada momento, a cada segundo, a cada instante, diferente e surpreendente.
Diariamente, São Paulo perde e ganha muitas coisas. Faz parte da ordem natural do desenvolvimento. Por força do crescimento perdemos um rio caudaloso e pesqueiro como o Tietê. As chácaras do Pacaembu, as fazendas do Morumbi. Não podemos mais ir de trem até o Jaçanã, tampouco pescar nos lagos da bacia do Aricanduva. Fazer piqueniques nos bosques da Saúde ou assistir a uma tourada onde atualmente é a Praça da República.
Mas isto não significa que nossa cidade esta fadada à dureza de um concreto frio e insensível, aos vapores ojerizantes de sua poluição, ao descambo de seu crescimento desordenado e do seu trânsito caótico.
Ainda podemos sentir uma brisa refrescante ao final do dia andando pelos parques espalhados da cidade. Esquecer do trânsito e usufruir a modernidade do metrô para chegarmos aos quatro pontos da cidade em questão de minutos. Esquecer um pouco do trabalho do dia-a-dia ao observamos o pôr-do-sol no Alto de Pinheiros. Regorgijar-nos nas festas de San Genaro na Mooca, ou na de Nossa Senhora Achiropita no Bixiga.
Podemos curtir noites aprazíveis circulando pelos teatros espalhados pela Bela Vista e os cinemas existentes ao longo da Avenida Paulista. Ficar na dúvida em qual pizzaria jantar, ou em que Shopping fazer compras. Curtir a vida boêmia da Vila Madalena, o frenesi da moçada da Vila Olímpia e os shows e o talento do pessoal da periferia da Zona Leste e Zona Sul.
São tempos outros. Tempos reais e distantes daqueles em que automóveis raramente ocupavam as ruas, bondes tracionados a burros e depois à energia elétrica cortavam a cidade, o Teatro Municipal era freqüentado apenas pela elite burguesa e a palavra pressa ainda não fazia parte do cotidiano da nossa cidade.
E todas essas mudanças só foram possíveis porque São Paulo, de uma terra santa no nome e povoada a princípio por gente também santa, acabou sendo ocupada por gente guerreira e batalhadora, lutadora e incansável em perseguir seus objetivos. Acabou não sendo uma cidade só de Paulos ou de Anchietas. Mas de Manuéis, Josés, Marias, Pedros, Anas, Eikos, Henrys, Torstens, Juans, o mundo inteiro. Uma cidade que não se limita a alguns quilômetros de extensão, mas que se expande dentro de si mesma para o resto do mundo.
Sinto orgulho do passado da minha cidade. Honra-me ver São Paulo como ela é atualmente e ter o prazer em atuar em seu eterno processo de mudança. Eu amo o que esta cidade foi, o que ela é e o que ela virá a ser daqui a cem, duzentos, quatrocentos e cinqüenta anos. Seja através de fotos. Seja através desse sentimento único que é viver em São Paulo.

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