Marcelo Almeida do Nascimento

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Neste blog você encontrará os textos originais dos meus projetos literários, peças teatrais, roteiros e apresentação de jogos de tabuleiro. osbatutas@yahoo.com.br

Escrever para quê?

O título acima faz parte de uma discussão que termina na seguinte conclusão: Ler para quê? Há muitos anos tenho desenvolvido minha teoria a respeito dos hábitos da leitura e do gosto pela literatura. Por isso estou voltando a usar este blog para discutir um pouquinho sobre a falta de leitura e o comprometimento disso na escrita. Afinal, para que escrever se não há ninguém para ler.



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Sobre o Espaço Gangorra

Entrei como alguém que chega para visitar parentes distantes, que você não sabe quem é, mas conhece de ter visto antes. Os oi tudo bem se misturam a abraços grossos e olhares de criança em festa com brigadeiro. Na sala puffada descarrega-se o peso de toda uma semana sem Shakespeare ou de um cotidiano pobre de Pessoa. Todos se desdobram – e se descobrem – através de idéias imperfeitas, amores desfeitos, ideologias distópicas e esperanças atrofiadas, querendo se acreditar que todo o humor misturado a um certo amor possa embeber a vida, a prosa e a poesia

Projeto Completo: O Leitor Aplicado

PROJETO LEITOR APLICADO - para ler, conhecer e aprender – É o desfrutar, não o possuir, que nos faz felizes. Baudelaire O projeto nasceu de uma constatação presente em praticamente todas as salas de aulas brasileiras: Como incentivar o aluno a ler, principalmente as obras clássicas, nos dias de hoje? Dentre as várias teorias a respeito, há entre elas um eco uníssono a respeito da principal reclamação dos alunos, em especial aqueles do 5º ao 9º ano do primeiro ciclo, que apontam um distanciamento histórico, social e linguístico das obras clássicas em relação ao tempo presente. Percebe-se que os alunos e os leitores iniciantes, principalmente os indiferentes à leitura e as práticas correlatas, não conseguem se aprofundar num determinado livro justamente porque não veem nenhuma ligação entre o objeto da leitura e o seu mundo cotidiano, independente da narrativa ou do teor da história. E a obrigação da leitura torna-se um fardo desinteressante. A leitura é parte intrínseca da literatura. E, infelizmente, nos dias de hoje ela deve ser justificada para ser abordada e circunstanciada para ser apreciada. Ao longo dos séculos, a literatura foi perdendo sua importância de formação social, informativa e esclarecedora do indivíduo, tornando-se mero deleite ou empáfia da classe dominante perante a classe dominada. A grande maioria da população – e os alunos em geral – não vislumbram razão para se debruçarem sobre um livro. Creem, piamente, que uma “história” não é capaz de lhes trazer grandes modificações pessoais ou intelectuais, a ponto dele, leitor, trocar as ferramentas tecnológicas, os meios de informação e os estudos científicos atuais pela literatura em geral. Émile Zola postulou em uma de suas obras: “ (...) Desde que o homem pode almejar conhecer, o jogo não o diverte mais e o artista é destituído pelo sábio.” Há outros meios práticos em nossa sociedade de consumo e de informação que bastam para o indivíduo leitor se prover de conhecimento sem que para tanto tenha que abrir mão de seu tempo e de mecanismos rápidos de busca e se enveredar na literatura. Alie-se a isso uma conclusão não tão recente, baseada em um trabalho do psicólogo americano Harvey C. Lehman e discutido em um dos livros de Robert Escarpit , que verifica em uma pesquisa feita com cidadãos franceses sobre o que consideram importante entre as manifestações literárias naquele país uma importância maior, senão igual, aos escritores contemporâneos em relação aos escritores antigos. Talvez isso explique uma reclamação que foi muito comentada nas redes sociais ao longo do ano de 2012, quando uma estudante universitária questionou a obrigatoriedade dos livros propostos pela Fuvest, onde não havia um autor contemporâneo mais próximo, tampouco alguma obra amplamente conhecida do público em geral, do tipo – nas próprias palavras dela – Harry Potter. E justamente neste ponto, onde o leitor se julga distante da literatura por enxergá-la como superada e antiquada, que baseei todo o projeto. Busca-se tratar o leitor mais do que um leitor, mas sim uma engrenagem viva dentro de sua própria leitura, de forma que através de mecanismos interdiscursivos, intertextuais e extralinguísticos faça-o conhecer, aprender e principalmente dialogar com uma obra clássica. O objetivo é criar uma história com elementos retirados de um livro importante da nossa literatura, de forma que o leitor possa dialogar com ambos os textos. A leitura desse livro não é um fim, mas um meio onde, com o apoio de recursos interativos e de imagem e som, leva-se o leitor a estabelecer ligações e comparações com determinada obra clássica, estimulando-o de forma proposital a comparar ambas. Pretende-se, assim, que o leitor realize um cotejamento independente de ambas as obras, concluindo ao final de suas leituras que, apesar de conter elementos parecidos e serem distintas entre si, se aproximam independente do tempo e do espaço, sugerindo que ele, leitor, possa fazer o mesmo em relação à obra clássica. Em suma, proponho que o leitor leia um livro para ler outro. O livro que corresponde a esse projeto estimula-o, dentro de uma perspectiva sincrônica e interativa, a conhecer detalhes da obra literária a qual faz referência. Ao ler o clássico, o leitor poderá distinguir alguns elementos específicos que foram retirados da obra e compreender o que aconteceu com ele no livro relativo ao projeto. Como foi dito anteriormente, o leitor não é apenas um leitor. Nesse projeto ele é personagem real e interage com as demais personagens até o momento em que suspeitam que ele, leitor, tenha descoberto algo importante da trama. A condição de tornar o leitor um leitor-personagem, alicerçado aos estímulos extralinguísticos, bem como a curiosidade de quem o teria assassinado em um livro, tende a estimulá-lo e encorajá-lo a procurar, no livro clássico, concordâncias, diferenças e até mesmo respostas ao que aconteceu com ele. Ou seja, busco o caminho inverso do incentivo à leitura: não afirmo se tal obra é boa ou não. Coloco o leitor em uma situação limite, onde as resposta às perguntas que surgem no meu livro encontram-se no outro livro, cuja leitura não mais se fará obrigatória, mas curiosa e esclarecedora. E esse é o ápice do projeto, pois agora o leitor não irá tomar a obra clássica com o mesmo distanciamento de antes. Ao ler o livro do projeto, ele terá condições de estabelecer links naturais com o outro livro, fazendo comparações e cotejamentos entre as duas obras, com estímulos e perspectivas diferentes, de forma a interagir vivamente. Para obter esse resultado, dois pontos são essenciais: a) A interdiscursividade – O projeto não trata apenas de atrelar uma narrativa a uma obra anterior conhecida, mas sim, utilizar de fragmentos da primeira obra (nomes de alguns personagens, assunto, lugar, etc.) de forma independente. Não se trata de releitura ou reescrita e também não são incorporados ou explorados recursos literários, estilísticos ou linguísticos da obra original. O que ocorre é a absorção e a exploração de alguns elementos, concretos e abstratos, necessários para promover uma ligação coesa entre os dois textos; b) Som e Imagem - O objetivo do emprego desses recursos é impactar. Além de promover um corte linear da narrativa em seu momento crucial (o capítulo da morte do leitor será em quadrinhos e os acontecimentos e falas serão sonorizados), tais meios aprofundam a inserção do leitor na história e o aproxima de “realidade” peculiar vivida por ele no momento da leitura. Isto posto, é importante frisar que não se propõe aqui escrever apenas um livro com quadrinhos, sons e outros atributos modernos para adolescentes e adultos em fase de contato com a leitura. O alvo do projeto é outro. Procura-se estimular, incomodar, açular, um leitor acostumado a esperar o fim das peripécias de modo passivo. Um leitor desmotivado pelos eternos chavões literários e também das obrigatórias práticas de exercício de entendimento do texto, que lhe são cobrados através de roteiros estabelecidos por editores ou professores de cursinho pré-vestibular. Nesse projeto, o leitor pode mais. Ele compreenderá que pode encontrar em um livro a resposta de vários acontecimentos por meio de outro livro. Inicialmente para saber quem o matou, e depois para saber o que há de diferente ou similar na obra inicial, de onde surgiram as personagens, os lugares e algumas situações com as quais ele interagiu virtualmente. A subjetividade que visa ser trabalhada no leitor é demonstrar ser possível, sim, através da literatura, adquirir conhecimentos e viver experiências sensíveis e imediatas e, principalmente, que tudo isso pode ser possível através dos meios modernos com os quais ele interage cotidianamente. Em uma palestra proferida em 2006 em um colégio francês, o Professor e pesquisador Antoine Compagnon discorreu sobre o seguinte: “(...) o espaço da literatura tornou-se mais escasso em nossa sociedade há uma geração: na escola, onde os textos didáticos a corroem ou já a devoraram; na imprensa, que atravessa também ela uma crise, funesta talvez, e onde as páginas literárias se estiolam; nos lazeres, onde a aceleração digital fragmenta o tempo disponível para os livros. Tanto que a transição entre a leitura infantil – que não se porta mal, com uma literatura para a juventude mais atraente que antes - e a leitura adolescente, julgada entediante porque requer longos momentos de solidão imóvel, não mais está assegurada.” A literatura não é algo utilmente inútil. E acredito que é, ainda, um meio de formação e informação. Em termos de metodologia, o projeto é centrado em uma teorização consistente no emprego regular de recursos interdiscursivos e extralinguísticos, visando envolver o leitor de tal forma a inseri-lo dentro do texto. A partir daí ele passa a figurar como uma personagem, interagindo virtualmente com as demais personagens até o momento em que descobre algo de importante, o que leva um dos suspeitos do enredo a matá-lo. Toda a narrativa irá centrar-se em um estilo denominado “romance enigma”. Por tese, depreende-se que este tipo de narrativa inicia-se a partir de um enigma, um fato obscuro. Este enigma desencadeia uma narrativa que busca sua completa elucidação. Quando se esclarece o enigma encerra-se a narrativa. Têm se assim que o romance enigma é composto por duas histórias: A do crime (o que já aconteceu) e a da narrativa (que desvendará o autor do crime). Portanto, teremos no romance enigma duas peças essenciais para o funcionamento de toda essa mecânica: Um crime, o mote para a elaboração da narrativa, e um detetive que irá ouvir os envolvidos, angariar as pistas, ordená-las, depurá-las e apontar com precisão insofismável o culpado. E é aí que entra o grande trunfo do projeto: O enigma, o start do presente projeto, desencadeará uma investigação que levará o leitor a ler, analisar e relacionar (além de se ver relacionando) com a situação em que se encontra no livro do projeto com a obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, em especial a discussão central que transcende da obra: Capitu traiu ou não Bentinho? Resumidamente, o leitor será assassinado porque irá demonstrar ao longo da narrativa saber algo referente à obra de Machado de Assis, o que as personagens da narrativa do projeto também sabem e temem, pois pode ser prejudicial aos seus interesses (nesse caso a autoria do primeiro crime), e que esta ligada à eterna dúvida sobre a traição. A expectativa é que nasça no leitor uma dimensão atemporal onde ele, leitor, pode, ou não, tentar identificar em Dom Casmurro pistas sobre os prováveis suspeitos do primeiro crime e de sua morte, acompanhando o desenrolar das investigações por parte do detetive do livro referente ao projeto. Outro ponto importante é a dimensão física do livro. Ele não pode conter mais de cento e cinquenta páginas nem possuir um estilo gráfico que os editores denominam “chapado”. Como a ideia é fazer com que o leitor se interesse pelo livro, desenhos, grafismos e outros itens extraliterários são bem-vindos e necessários. O projeto torna-se também uma ferramenta de ensino valiosa, pois em sala de aula os professores poderão estabelecer critérios de avaliação através de uma leitura comparada e de acordo com a qualificação e capacidade dos seus alunos. Pode-se trabalhar, além da leitura comparativa, especificações entre as obras como quanto as personagens, lugares, tempo, etc., realizar leituras em grupo, com cada um lendo uma parte dos dois livros ao mesmo tempo, e outras demandas com as quais os professores em sala de aula podem escolher trabalhar, para apurar a capacidade crítica e de leitura dos seus alunos. E o melhor de tudo é que essa proposta não se encontra circunscrita a uma obra apenas. A sua mecânica permite que outros clássicos da literatura nacional, e também internacional, possam ser (re) visitados a partir dos mecanismos já dispostos acima, pois, como bem salientou Julia Kristeva: “ Todo o texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é a absorção e transformação de outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade, instala-se a de intertextualidade e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla”. O esforço primordial do projeto é não deixar que os principais livros da nossa literatura passem ao largo durante a fase de formação e informação do leitor. A grande expectativa é criar uma ponte entre o passado das grandes obras com o presente de futuros leitores críticos; aproximar o leitor do prazer da leitura estimulando-o naturalmente a partir daquilo que ele fará por toda sua vida: Ler! “ A Literatura é um exercício de pensamentos; a leitura, uma experimentação dos possíveis.” REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BARTHES, Roland. LEFEBVRE, Henri. GOLDMAN, Lucien. Literatura y sociedad. Problemas de metodología en sociologia de la literatura. Traducion de R. de La Iglesia. Barcelona, Ediciones Martinez Roca, 1969. COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Tradução: Laura Taddei Brandini. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2012. FERRARA, Lucrécia D´Aléssio. Leitura sem Palavras. 3ª. Edição. S. Paulo, Editora Ática, 1993. FIORIN, José Luiz. Interdiscursividade e intertextualidade. In BRAITH, Beth (org.) Baktin. Outros conceitos chaves. S.Paulo, editora Contexto, 2006. KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo, Perspectiva, 1974. REIMÃO, Sandra Lúcia. O que é Romance Policial? S. Paulo, Editora Brasiliense, 1983. TODOROV, Tzvetan. Teoria do Símbolo. Portugal, Edições 70, 1977. _________________. Introdução à Literatura Fantástica. S. Paulo, Ed. Perspectiva, 1975 _________________. As Estruturas Narrativas. S. Paulo, Editora Perspectiva, 1975. ZOLA, Émile. O Romance experimental e o Naturalismo no Teatro. Tradução de Ítalo Caroni e Célie Berrentini. São Paulo, Perspectiva, 1982