Marcelo Almeida do Nascimento

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Neste blog você encontrará os textos originais dos meus projetos literários, peças teatrais, roteiros e apresentação de jogos de tabuleiro. osbatutas@yahoo.com.br

Escrever para quê?

O título acima faz parte de uma discussão que termina na seguinte conclusão: Ler para quê? Há muitos anos tenho desenvolvido minha teoria a respeito dos hábitos da leitura e do gosto pela literatura. Por isso estou voltando a usar este blog para discutir um pouquinho sobre a falta de leitura e o comprometimento disso na escrita. Afinal, para que escrever se não há ninguém para ler.



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Sobre o Espaço Gangorra

Entrei como alguém que chega para visitar parentes distantes, que você não sabe quem é, mas conhece de ter visto antes. Os oi tudo bem se misturam a abraços grossos e olhares de criança em festa com brigadeiro. Na sala puffada descarrega-se o peso de toda uma semana sem Shakespeare ou de um cotidiano pobre de Pessoa. Todos se desdobram – e se descobrem – através de idéias imperfeitas, amores desfeitos, ideologias distópicas e esperanças atrofiadas, querendo se acreditar que todo o humor misturado a um certo amor possa embeber a vida, a prosa e a poesia

Projeto Completo: O Leitor Aplicado

PROJETO LEITOR APLICADO - para ler, conhecer e aprender – É o desfrutar, não o possuir, que nos faz felizes. Baudelaire O projeto nasceu de uma constatação presente em praticamente todas as salas de aulas brasileiras: Como incentivar o aluno a ler, principalmente as obras clássicas, nos dias de hoje? Dentre as várias teorias a respeito, há entre elas um eco uníssono a respeito da principal reclamação dos alunos, em especial aqueles do 5º ao 9º ano do primeiro ciclo, que apontam um distanciamento histórico, social e linguístico das obras clássicas em relação ao tempo presente. Percebe-se que os alunos e os leitores iniciantes, principalmente os indiferentes à leitura e as práticas correlatas, não conseguem se aprofundar num determinado livro justamente porque não veem nenhuma ligação entre o objeto da leitura e o seu mundo cotidiano, independente da narrativa ou do teor da história. E a obrigação da leitura torna-se um fardo desinteressante. A leitura é parte intrínseca da literatura. E, infelizmente, nos dias de hoje ela deve ser justificada para ser abordada e circunstanciada para ser apreciada. Ao longo dos séculos, a literatura foi perdendo sua importância de formação social, informativa e esclarecedora do indivíduo, tornando-se mero deleite ou empáfia da classe dominante perante a classe dominada. A grande maioria da população – e os alunos em geral – não vislumbram razão para se debruçarem sobre um livro. Creem, piamente, que uma “história” não é capaz de lhes trazer grandes modificações pessoais ou intelectuais, a ponto dele, leitor, trocar as ferramentas tecnológicas, os meios de informação e os estudos científicos atuais pela literatura em geral. Émile Zola postulou em uma de suas obras: “ (...) Desde que o homem pode almejar conhecer, o jogo não o diverte mais e o artista é destituído pelo sábio.” Há outros meios práticos em nossa sociedade de consumo e de informação que bastam para o indivíduo leitor se prover de conhecimento sem que para tanto tenha que abrir mão de seu tempo e de mecanismos rápidos de busca e se enveredar na literatura. Alie-se a isso uma conclusão não tão recente, baseada em um trabalho do psicólogo americano Harvey C. Lehman e discutido em um dos livros de Robert Escarpit , que verifica em uma pesquisa feita com cidadãos franceses sobre o que consideram importante entre as manifestações literárias naquele país uma importância maior, senão igual, aos escritores contemporâneos em relação aos escritores antigos. Talvez isso explique uma reclamação que foi muito comentada nas redes sociais ao longo do ano de 2012, quando uma estudante universitária questionou a obrigatoriedade dos livros propostos pela Fuvest, onde não havia um autor contemporâneo mais próximo, tampouco alguma obra amplamente conhecida do público em geral, do tipo – nas próprias palavras dela – Harry Potter. E justamente neste ponto, onde o leitor se julga distante da literatura por enxergá-la como superada e antiquada, que baseei todo o projeto. Busca-se tratar o leitor mais do que um leitor, mas sim uma engrenagem viva dentro de sua própria leitura, de forma que através de mecanismos interdiscursivos, intertextuais e extralinguísticos faça-o conhecer, aprender e principalmente dialogar com uma obra clássica. O objetivo é criar uma história com elementos retirados de um livro importante da nossa literatura, de forma que o leitor possa dialogar com ambos os textos. A leitura desse livro não é um fim, mas um meio onde, com o apoio de recursos interativos e de imagem e som, leva-se o leitor a estabelecer ligações e comparações com determinada obra clássica, estimulando-o de forma proposital a comparar ambas. Pretende-se, assim, que o leitor realize um cotejamento independente de ambas as obras, concluindo ao final de suas leituras que, apesar de conter elementos parecidos e serem distintas entre si, se aproximam independente do tempo e do espaço, sugerindo que ele, leitor, possa fazer o mesmo em relação à obra clássica. Em suma, proponho que o leitor leia um livro para ler outro. O livro que corresponde a esse projeto estimula-o, dentro de uma perspectiva sincrônica e interativa, a conhecer detalhes da obra literária a qual faz referência. Ao ler o clássico, o leitor poderá distinguir alguns elementos específicos que foram retirados da obra e compreender o que aconteceu com ele no livro relativo ao projeto. Como foi dito anteriormente, o leitor não é apenas um leitor. Nesse projeto ele é personagem real e interage com as demais personagens até o momento em que suspeitam que ele, leitor, tenha descoberto algo importante da trama. A condição de tornar o leitor um leitor-personagem, alicerçado aos estímulos extralinguísticos, bem como a curiosidade de quem o teria assassinado em um livro, tende a estimulá-lo e encorajá-lo a procurar, no livro clássico, concordâncias, diferenças e até mesmo respostas ao que aconteceu com ele. Ou seja, busco o caminho inverso do incentivo à leitura: não afirmo se tal obra é boa ou não. Coloco o leitor em uma situação limite, onde as resposta às perguntas que surgem no meu livro encontram-se no outro livro, cuja leitura não mais se fará obrigatória, mas curiosa e esclarecedora. E esse é o ápice do projeto, pois agora o leitor não irá tomar a obra clássica com o mesmo distanciamento de antes. Ao ler o livro do projeto, ele terá condições de estabelecer links naturais com o outro livro, fazendo comparações e cotejamentos entre as duas obras, com estímulos e perspectivas diferentes, de forma a interagir vivamente. Para obter esse resultado, dois pontos são essenciais: a) A interdiscursividade – O projeto não trata apenas de atrelar uma narrativa a uma obra anterior conhecida, mas sim, utilizar de fragmentos da primeira obra (nomes de alguns personagens, assunto, lugar, etc.) de forma independente. Não se trata de releitura ou reescrita e também não são incorporados ou explorados recursos literários, estilísticos ou linguísticos da obra original. O que ocorre é a absorção e a exploração de alguns elementos, concretos e abstratos, necessários para promover uma ligação coesa entre os dois textos; b) Som e Imagem - O objetivo do emprego desses recursos é impactar. Além de promover um corte linear da narrativa em seu momento crucial (o capítulo da morte do leitor será em quadrinhos e os acontecimentos e falas serão sonorizados), tais meios aprofundam a inserção do leitor na história e o aproxima de “realidade” peculiar vivida por ele no momento da leitura. Isto posto, é importante frisar que não se propõe aqui escrever apenas um livro com quadrinhos, sons e outros atributos modernos para adolescentes e adultos em fase de contato com a leitura. O alvo do projeto é outro. Procura-se estimular, incomodar, açular, um leitor acostumado a esperar o fim das peripécias de modo passivo. Um leitor desmotivado pelos eternos chavões literários e também das obrigatórias práticas de exercício de entendimento do texto, que lhe são cobrados através de roteiros estabelecidos por editores ou professores de cursinho pré-vestibular. Nesse projeto, o leitor pode mais. Ele compreenderá que pode encontrar em um livro a resposta de vários acontecimentos por meio de outro livro. Inicialmente para saber quem o matou, e depois para saber o que há de diferente ou similar na obra inicial, de onde surgiram as personagens, os lugares e algumas situações com as quais ele interagiu virtualmente. A subjetividade que visa ser trabalhada no leitor é demonstrar ser possível, sim, através da literatura, adquirir conhecimentos e viver experiências sensíveis e imediatas e, principalmente, que tudo isso pode ser possível através dos meios modernos com os quais ele interage cotidianamente. Em uma palestra proferida em 2006 em um colégio francês, o Professor e pesquisador Antoine Compagnon discorreu sobre o seguinte: “(...) o espaço da literatura tornou-se mais escasso em nossa sociedade há uma geração: na escola, onde os textos didáticos a corroem ou já a devoraram; na imprensa, que atravessa também ela uma crise, funesta talvez, e onde as páginas literárias se estiolam; nos lazeres, onde a aceleração digital fragmenta o tempo disponível para os livros. Tanto que a transição entre a leitura infantil – que não se porta mal, com uma literatura para a juventude mais atraente que antes - e a leitura adolescente, julgada entediante porque requer longos momentos de solidão imóvel, não mais está assegurada.” A literatura não é algo utilmente inútil. E acredito que é, ainda, um meio de formação e informação. Em termos de metodologia, o projeto é centrado em uma teorização consistente no emprego regular de recursos interdiscursivos e extralinguísticos, visando envolver o leitor de tal forma a inseri-lo dentro do texto. A partir daí ele passa a figurar como uma personagem, interagindo virtualmente com as demais personagens até o momento em que descobre algo de importante, o que leva um dos suspeitos do enredo a matá-lo. Toda a narrativa irá centrar-se em um estilo denominado “romance enigma”. Por tese, depreende-se que este tipo de narrativa inicia-se a partir de um enigma, um fato obscuro. Este enigma desencadeia uma narrativa que busca sua completa elucidação. Quando se esclarece o enigma encerra-se a narrativa. Têm se assim que o romance enigma é composto por duas histórias: A do crime (o que já aconteceu) e a da narrativa (que desvendará o autor do crime). Portanto, teremos no romance enigma duas peças essenciais para o funcionamento de toda essa mecânica: Um crime, o mote para a elaboração da narrativa, e um detetive que irá ouvir os envolvidos, angariar as pistas, ordená-las, depurá-las e apontar com precisão insofismável o culpado. E é aí que entra o grande trunfo do projeto: O enigma, o start do presente projeto, desencadeará uma investigação que levará o leitor a ler, analisar e relacionar (além de se ver relacionando) com a situação em que se encontra no livro do projeto com a obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, em especial a discussão central que transcende da obra: Capitu traiu ou não Bentinho? Resumidamente, o leitor será assassinado porque irá demonstrar ao longo da narrativa saber algo referente à obra de Machado de Assis, o que as personagens da narrativa do projeto também sabem e temem, pois pode ser prejudicial aos seus interesses (nesse caso a autoria do primeiro crime), e que esta ligada à eterna dúvida sobre a traição. A expectativa é que nasça no leitor uma dimensão atemporal onde ele, leitor, pode, ou não, tentar identificar em Dom Casmurro pistas sobre os prováveis suspeitos do primeiro crime e de sua morte, acompanhando o desenrolar das investigações por parte do detetive do livro referente ao projeto. Outro ponto importante é a dimensão física do livro. Ele não pode conter mais de cento e cinquenta páginas nem possuir um estilo gráfico que os editores denominam “chapado”. Como a ideia é fazer com que o leitor se interesse pelo livro, desenhos, grafismos e outros itens extraliterários são bem-vindos e necessários. O projeto torna-se também uma ferramenta de ensino valiosa, pois em sala de aula os professores poderão estabelecer critérios de avaliação através de uma leitura comparada e de acordo com a qualificação e capacidade dos seus alunos. Pode-se trabalhar, além da leitura comparativa, especificações entre as obras como quanto as personagens, lugares, tempo, etc., realizar leituras em grupo, com cada um lendo uma parte dos dois livros ao mesmo tempo, e outras demandas com as quais os professores em sala de aula podem escolher trabalhar, para apurar a capacidade crítica e de leitura dos seus alunos. E o melhor de tudo é que essa proposta não se encontra circunscrita a uma obra apenas. A sua mecânica permite que outros clássicos da literatura nacional, e também internacional, possam ser (re) visitados a partir dos mecanismos já dispostos acima, pois, como bem salientou Julia Kristeva: “ Todo o texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é a absorção e transformação de outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade, instala-se a de intertextualidade e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla”. O esforço primordial do projeto é não deixar que os principais livros da nossa literatura passem ao largo durante a fase de formação e informação do leitor. A grande expectativa é criar uma ponte entre o passado das grandes obras com o presente de futuros leitores críticos; aproximar o leitor do prazer da leitura estimulando-o naturalmente a partir daquilo que ele fará por toda sua vida: Ler! “ A Literatura é um exercício de pensamentos; a leitura, uma experimentação dos possíveis.” REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BARTHES, Roland. LEFEBVRE, Henri. GOLDMAN, Lucien. Literatura y sociedad. Problemas de metodología en sociologia de la literatura. Traducion de R. de La Iglesia. Barcelona, Ediciones Martinez Roca, 1969. COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Tradução: Laura Taddei Brandini. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2012. FERRARA, Lucrécia D´Aléssio. Leitura sem Palavras. 3ª. Edição. S. Paulo, Editora Ática, 1993. FIORIN, José Luiz. Interdiscursividade e intertextualidade. In BRAITH, Beth (org.) Baktin. Outros conceitos chaves. S.Paulo, editora Contexto, 2006. KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo, Perspectiva, 1974. REIMÃO, Sandra Lúcia. O que é Romance Policial? S. Paulo, Editora Brasiliense, 1983. TODOROV, Tzvetan. Teoria do Símbolo. Portugal, Edições 70, 1977. _________________. Introdução à Literatura Fantástica. S. Paulo, Ed. Perspectiva, 1975 _________________. As Estruturas Narrativas. S. Paulo, Editora Perspectiva, 1975. ZOLA, Émile. O Romance experimental e o Naturalismo no Teatro. Tradução de Ítalo Caroni e Célie Berrentini. São Paulo, Perspectiva, 1982

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Satisfaction

Acordei num pulo. Suava, ofegava e sentia um aperto no peito, uma angustia seca e cortante. Olhei ao lado e vi vários rostos me olhando. Rostos conhecidos, mas que eu nunca tinha visto antes. Entre eles estava um homem – parecia um homem, trajando um terno preto e um chapéu escuro, cuja aba cobria sua cabeça que ele insistia em manter abaixada, escondendo um rosto triangular, de onde descia uma barba avermelhada até a altura do peito. Não tinha mãos, mas sim cascos, como de cavalos, e um deles segurava de alguma forma um lixa de unha que utilizava no outro casco. Ele ria e balançava o corpo, e quando lhe fixei os olhos ele disse: “ Pronto para ir a floresta dos homens esquecida?” E ria. Ria. Ria. Sai correndo. Conhecia a floresta. Ficava no Campo Santo, onde muitos amigos e parentes foram fazer gealogia. Corria, e embora não quisesse ir para lá acabei chegando na sua entrada. Encontrei o mesmo tipo de antes, lixando os cascos, e me disse: “Nós que aqui estamos por vós esperamos!” Tentei fugir correndo, mas quando parei cansado vi que já estava lá dentro. Procurava entre os nomes que dançavam à luz do luar o meu nome, mas não o encontrei. Suspirei aliviado, feliz, contente em saber que tudo parecia não passar de uma alucinação. Eis que a figura misteriosa de antes apareceu na minha frente e urrou: “Seu nome lembra quem você é, e o que você fizer lembrará o seu nome”. Senti-me perante a esfinge, mas não me desesperei. Sabia o que ele estava querendo dizer. Voltei para casa. Reguei todas as plantas do jardim; liguei para a minha namorada e fizemos as pazes, sentei à mesa e escrevi tudo isso, para depois juntar com outras tantas coisas mais, e assim pôr o meu nome na floresta dos homens sempre lembrados.”

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Santo a porra

SANTO A PORRA

Meu nome é Ezequiel. E devo a ser a única pessoa no mundo que não sabe porque se chama Ezequiel. Isso porque a minha mãe – Que Deus, apesar do meu nome, a tenha em bom lugar, teve seis filhos. E sou o mais novo. E todos os outros cinco tem nomes que começam com a letra M. Marcos, Marcelo, Mário, Márcio e Maria. E só eu sai com E, de Ezequiel. Não é um nome feio, mas acontece que não começa com M. Quando minha mãe ainda era viva eu perguntei para ela porque o meu nome não começava com M. Ela respondeu que era por causa da minha avó, porque ela dizia que era nome de santo. Eu então perguntei para a minha avó – que não sei porque Deus ainda não levou – o motivo. Ela, no alto de seus quase cem anos, lúcida e ativa, com os olhos esbugalhados e a pele cheia de rugas, apenas me respondeu: Santo a porra! Eu qui quis

sábado, 16 de abril de 2011

Teoria da Saudade

Este é um texto de uma grande poetisa nacional que eu conheci meio pelo acaso, mas me apaixonei de imediato pelo seu poder de síntese, de reflexão e consciência. Alguns de seus textos e poesias podem ser lidos no site www.recantodasletras.com.br onde eu também lancei alguns textos. O nome desta maravilha contemporânea é Valentina Vaz.

Teoria da Saudade

Como se conta a saudade de um prazer?
Em dias e noites.
Quantas? Só ele sabe.
Como se mede isso?
Bem...
Esta é uma saudade só dele, masculina por natureza.
Se alimenta de testosterona e torna-se insuportável quanto atinge o limite de punhetas ou finda-se o rodízio de cardápio feminino.
Embora yang, não nasce e cresce com a rapidez de uma ereção.
Se sacia com uma noite de delícias de contato.
E se renova através do tédio, distância e esquecimento.


Como se conta a saudade de um amor?
Em lágrimas, noites insones, fisgadas no diafragma.
Não se mede, é infinita em tamanho e intensidade enquanto se faz sentir.
É uma saudade só dela, feminina por natureza.
Alimenta-se de angústia, ansiedade, dúvida, insegurança, medo e dor.
Nasce segundos antes de uma despedida e cresce conforme persiste a ausência.
Se sacia com poucos segundos de silêncio ou um sorriso.
E se renova na necessidade vital de reciprocidade do outro.

Valentina Vaz

sexta-feira, 18 de março de 2011

A Individualidade Social

A INDIVIDUALIDADE SOCIAL

Decisões individuais acarretam conseqüências sociais
que são recebidas e sentidas por outras pessoas. Não
temos a noção de que nossos atos, os mais ínfimos ou
inocentes que possam parecer, acabam gerando
conseqüências enormes e terríveis em outras pessoas. A
vida individual em sociedade gera uma realidade idêntica
à teoria do caos, onde, sinteticamente falando, os
comportamentos casuais ou aleatórios - no sentido de
nossa idéia os relacionamentos sociais - são
governados por leis e estas podem predizer dois
resultados para uma entrada de dados (ou ações). O
primeiro resultado é uma resposta ordenada, cujo
futuro dos eventos ocorre dentro das margens
estatísticas de erros previsíveis. O segundo é também
uma resposta ordenada; porém, sua resultante futura é
caótica. Ocorre uma contradição em um determinado
ponto que gera esse resultado incomparável.
A guisa de exemplo podemos citar as ondas que se
formam em uma piscina quando jogamos uma pedra. As
ondas que se criarão serão previsíveis e perfeitas.
Mas, se no fundo da piscina, houver uma camada de
areia finíssima, a evolução dessas ondas também irão
repercutir nessa areia. Serão caóticos os resultados,
uma vez que não há uma interação direta com as ondas
superficiais, mas seguirão um padrão em seu movimento.
Se analisarmos abstratamente a relação humana veremos
que a teoria do caos se enquadra perfeitamente nela. O
fato de um ser humano escolher levar uma vida regrada,
se formar, trabalhar, casar, ter filhos, viver uma
vida calma e tranqüila resulta em uma vivência em
sociedade dentro dos padrões. (ele pagará impostos,
impulsionara a economia, gerara filhos, etc.). Porém, a
simples razão dele assim agir também gera um resultado
caótico e sem previsão referente ao restante da
sociedade. Ele se enquadrará no meio em que escolheu
viver? Como se sentem aqueles que estão abaixo ou
acima do seu padrão de vida? O futuro, que num
primeiro momento resulta em um padrão normal, acaba se
tornando caótico se refletido à luz da sociedade. Ou
seja, a individualidade gera um caos infinito nos
demais membros e divisões sociais.
A individualidade é inerente ao homem. Porém, ela não
é única. É formada por uma superposição de sentimentos
e anseios, positivos e negativos, que vão se
acumulando, se auto-rejeitando ou se realocando dentro
de uma personalidade sempre moldável até que barra num
ponto de saturação. Isso ocorre quando o homem já não
se sente sensível a determinadas causas e efeitos
exteriores e interiores. Ele dá, de forma autoritária
e preconceituosa, por encerrado o seu estado de
evolução. Nada mais lhe importa. Nada mais lhe diz
respeito. Cria dentro de si mesmo a idéia de que não
tem mais nada para apreender nem ensinar. Esta
saturação da personalidade também causa o caos, pois o
fato de não haver movimento social - este indivíduo se
torna estável, intransigente e insensível a qualquer
mudança em relação á sociedade, também implica em um
resultado diferente daquele previsível. Embora
saibamos que não podemos contar com ele, sua presença
se faz insofismável. E, portanto deverá ser
contabilizado, ou socializado, em uma sociedade.
Além da inércia dogmática acima descrita, a
individualidade plural, ou seja, aquela que se adapta
a várias situações, também cria um caos intangível
dentro da sociedade. Tem-se assim um indivíduo sem
padrões pré-definidos, que se contradiz em si mesmo
constantemente, e se recolhe dentro dessa sua
interioridade exteriorizada, quer dizer, das suas
concepções baseadas nas concepções dos outros. Este
indivíduo, ao que, lembrado a teoria do caos, pode ser
denominado por uns como atencioso, prestativo,
dinâmico e sociável, num segundo resultado torna-se um
ser desprezível, apático e ineficiente, pois não
constrói nenhum paradigma social, não introduz
conceitos, apenas serve.
Visto assim, podemos concluir que a individualidade é
uma dialética constante, onde a demonstração de uma
faceta de uma determinada personalidade incide em dois
tipos de resultado: o óbvio (uma pessoa feliz sempre
irá sorrir quando estiver presente em momentos
felizes) e o caótico ( e procurará se eximir de tomar
partido em situações tristes, deixando assim de agir
quando for necessária sua participação).
Pluralidades não devem ser postas sem necessidade.
A natureza é econômica, isto é, sempre quando houver
dois caminhos que levam à verdade, vale o mais
simples.
Pois, se nem a matemática é exata, o que se falar da
natureza humana...

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O cheiro

O CHEIRO
Sempre fui condenada pelo o que faço. Ninguém, jamais, concordou com o que faço. Sofro de ciúmes sim. Isso é sinal de que tenho amor. De que tenho muito amor para dar. Mas quero exclusividade. Não me venha dizer que amar é divino, que devemos entender o homem amado quando ele sai com outra, essas baboseiras canônicas de lavadeiras do século passado, que enquanto esquentavam a barriga no fogão e a esfriavam no tanque, fingiam não saber que os maridos saiam para gozar a vida dentro e fora dos úteros disponíveis e assanhados pelo mundo. Sou uma mulher romântica. Apaixonada pela vida. E por mim mesma. Mas também sou carente. Necessitada de carinho. Carinho sincero, honesto e fiel. Não existe um amor verdadeiro sem essas características: sincero, honesto e fiel. Eu sou assim. Por que o homem que eu amo também não pode ser? Não sou tão ciumenta. Uma doente terrível, capaz de matar por ciúme. Juro. Podem perguntar para os meus dois últimos namorados e três maridos. Perguntem a eles se eu era ciumenta ao extremo. Se eles quisessem ir assistir ao maldito jogo de futebol na casa do amigo eu deixava; se eles quisessem esticar o happy hour eu deixava; se eles quisessem ir pescar eu deixava. Era tudo liberado. Eu não sou como essas mulheres boçais, recalcadas e neurastênicas, que ficam ligando de cinco em cinco minutos para saber onde o marido está, com quem está, que barulho era aquele ao fundo da ligação, ou o porque do silêncio. Eu não. Sempre fui liberal. Apaixonada. Ciumenta. Caretona. Não idiota. E sabem por quê? Porque eu cheiro! Eu cheiro! A arma infalível contra a traição. Cheirar. Isso mesmo!
O cheiro do escroto e do pênis do seu homem. O cheiro do sexo do seu homem. Há mulheres que quando encontram o marido ou o namorado lhe cheiram o pescoço para sentirem algum perfume de puta na sua pele. Outras vasculham a roupa atrás de marcas de batom; outras olham o lenço de pano para ver se não há marcas de batom. Sempre cheirei o sexo dos meus homens. Dos outros, do Marco Antonio. É isso o que eu sempre fiz. Uma coisa natural. Trivial.Como quando ele chegava na minha casa:
Oi meu amor, tubo bem? Como foi seu dia? (dou-lhe um selinho na boca)
A porcaria de sempre. Meu chefe estressado, o Moacir me azucrinando...
O Moacir? Aquele que trabalha no setor de fraude e não foi promovido? (tiro o seu paletó)
É... aquele chato mesmo!
(Peço para ele se sentar. Desabotoou o seu cinto, abro sua calça, desço o seu zíper)
Abra o olho querido! Esses executivos estressados são perigosos.
Pego com toda a delicadeza seu membro. Tiro-o da cueca. Cheiro tudo. Ponho a cara. Enfio meu nariz entre suas bolas e sua virilha. Sinto o leve odor de urina emanando do seu prepúcio, seus pêlos pubianos roçando minhas narinas, aquele cheiro ocre de suor misturado com o tecido da cueca, o escroto enrugado alisando minhas bochechas... Divino!
Sinto o seu cheiro. Aquele cheiro fantástico. O perfume do escroto é indescritivelmente maravilhoso. Sei quando ele está puro, imaculado, aguardando apenas o sexo da pessoa que o ama. Apenas o toque de quem lhe quer e deseja verdadeiramente. Não pode estar lavado. Nunca! Um sexo masculino cheirando a sabonete de lavanda de motel é uma prova insofismável de que houve traição. Fui enganada. E isso eu não perdôo. E eu não sou idiota. Sou romântica, ciumenta, apaixonada, caretona. Idiota não. Mas ele era como os outros. Como todos os outros que não toleram essa minha necessidade irrefreável de ser feliz. Da última vez em que estava externando minha necessidade, ele afastou minha cabeça delicadamente. Olhou-me nos olhos. Eu sorri. Seu semblante era duro. Fechado. Apertei o seu sexo. Fechei meus olhos. Mordisquei o meu lábio inferior. Demonstrei que o estava querendo. Ele apenas disse: Você é doente. Respondi. Eu te amo. Ele apenas disse: Você nunca vai parar com isso. Isso é doença. Doença. Respondi. Eu te amo. Ele apenas disse. Eu não agüento mais isso. Eu não sou obrigado a agüentar isso. Sempre é assim. Todos os dias são assim. Eu apenas disse. Eu te amo. Ele apenas se levantou do sofá, vestiu-se novamente, pegou sua pasta e apenas disse: Adeus. Procure um médico. Se cuide. Eu não quero mais você. Respondi. Eu te amo. Ele saiu. Sai atrás dele. Na porta pensei em lhe dizer que eu iria procurar um médico sim, que aquilo não iria se repetir novamente, que o considerava fiel, ele era o amor da minha vida. Só conseguia dizer eu te amo enquanto ele saia pela porta. Quase levantei para impedi-lo de sair. Só então me dei conta que era a quarta vez que eu estava indo atrás dele para pedir desculpas e que iria procurar tratamento para essa minha necessidade compulsiva de cheirar o seu sexo. O sexo do meu amado. Para fazê-lo entender que eu sou normal. Romântica, ciumenta, apaixonada. Para fazê-lo entender que eu cheiro por amor. Apenas por amor.

A religião é ainda solução (?!?!)

Uma ideia que teu tenho a respeito da falta de concentração dos nossos pequeninos, e também dos não tão pequeninos, dentro da sala de aula passa pela falta de religião. Mas não se trata da religião em si, de determinada crença ou do sentido etimológico da palavra (religar-se com Deus). Impulsionado pelo mantra invisível do capitalismo (commmprreeeee), a idéia de aprender com quem sabe mais que você acabou dando lugar para o aprenda só o que você precisa, destruindo assim a figura iconoclasta do pensador, do tutor, do filósofo, do conhecedor, enfim, do professor. Alie a isso a velocidade das informações, a prática desenfreada do consumismo e você verá que é absurdamente lógico ser completamente irracional perder tempo em sala de aula. Afinal de contas, do que eu preciso eu encontro fora dela. A solução imediata dos meus problemas, as respostas as minhas questões existenciais sobre o mundo não são respondidas em sala de aula, mas sim fora dela, de preferência na Internet.
A Escola serve para dominar e te fazer aprender o que uma sociedade ultrapassada e feudal quer na base da força, repetição, castigo e submissão. E por ainda manter essa base de ensino é que a nossa sociedade precisa da religião para ajudar na educação de seus cidadãos. Vou citar como exemplo apenas a igreja católica O padre, na sua posição dileta de intérprete das leis de Deus e iconizado para tanto, consegue – e retém, a atenção daqueles que estão em sua assembléia. Aí impera o temor perante o desconhecido, misturado com a esperança dos desesperados e a transmissão de responsabilidade dos sediosos em livrar-se dos seus problemas pessoais. Ao estar em uma reunião religiosa, a pessoa, por necessidade, medo ou curiosidade, permanece calada, concentrada, no mínimo pensativa, e assim permanece até o término da reunião. Se fosse submetida semanalmente a essa prática, um aluno, por mais encapetado que seja, poderia dispender na escola a mesma atenção, concentração ou, no mínimo respeito. Afinal de contas, o ser humano é um meio dialético de ver o mundo e de se ver no mundo. Delicioso, não é?

quinta-feira, 27 de maio de 2010

DA SÉRIE PARA LER RÁPIDO ANTES DE DESLIGAR O COMPUTADOR

O amor é uma imperfeição que distorce a estabilidade dos sentimentos de prazer e dor que moldam, especificamente, cada ser humano.
A visão maravilhosa que se criou acerca do amor procura corrigir essa instabilidade, pois quando amamos nos situamos na border line entre a felicidade e a tristeza, a razão e a emoção, o afeto e a carência deste.
Amar não é divino, não é supremo, não é maravilhoso. Amar não é construir nem destruir. É uma atividade mental exagerada, que consome corpo e alma, objetivando equilibrar o nosso ego frente ao impacto dessa imperfeição sentimental chamada amor.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

PAZ, AMOR E MUITO BEIJO NA BOCA

Apesar de buscar ser um texto enxuto e econômico, os finais de e-mails conseguem ser chatos, repetitivos e impessoais ao extremo.
Se o destinatário da sua mensagem eletrônica for seu amigo, você poderá usar de gírias, brincadeiras maliciosas ou até mesmo de palavras de baixo calão para desejar uma boa semana, um bom dia, um bom descanço ou até mesmo não desejar nada... é ou não é seu prego? huahuahuahuahua...
Mas quando se trata de seu chefe ou a mensagem tem caráter profissional, aí entram as famosas palavras e frases feitas, do tipo: Um abraço, aguardo retorno, sem mais, atenciosamente, obrigado, Best reggards.
Isso sem falar nos e-mails entre enamorados ou carentes de plantão, que quando não carregam os inhos no final (beijinho, amorzinho, queridinho, queridinha, anjinho, anjinha)se desdobram em caçarem no google frases de algum filme melado para repetirem no final do e-mail... isso quando não usam aquela decoreba usual do poema do Vinícius... " de tudo ao meu amor..." ou alguma frase esquizofrênica de pagodinho mela cueca.
Por estar saturado de tudo isso, e por acreditar que um final de e-mail deve conter, no mínimo, um desejo sincero e altruísta para quem vai fazer o favor de ler sua mensagem, criei uma síntese do que todos nós, seres viventes e pensantes nesse nosso planeta terra, devemos realmente desejar ao nosso próximo destinatário ou seguidor: PAMBB!
Não se trata de uma abreviação para Peace My Brother Brown. É uma sigla para PAZ, AMOR E MUITO BEIJO NA BOCA!
Senão vejamos...
Desejar paz é universal. Todos precisamos dela para vivermos tranquilamente a nossa vida. Muito mais que saúde, desejar paz ao próximo é emanar fluídos positivos para que ele viva longe de problemas de todas as espécies... de dinheiro, de emprego, de relacionamento e até mesmo de saúde.
Amor... ah, o amor! Quem vive com esse sentimento vinte e quatro horas por dias sabe que não há nada mais gostoso do que viver eternamente enamorado. Tudo é belo, tudo é lindo, tudo é simplesmente maravilhoso.
E por fim, quer coisa melhor que beijar na boca? Aqueles que tem mau hálito, dente podre na boca e gengivite com certeza dirão que isso é besteira, mas quem sabe o quanto é bom tascar um beijo longo e molhado, com direito a mordidinhas na língua, perda do fôlego e estalos escandalosos sabem que a melhor serventia para a boca, depois de engolir e beber, é beijar.
Por isso, proponho a todos que pratiquem PAMBB. Desejem PAMBB. Façam PAMBB! Nem que seja virtualmente.
PAMBB!

sábado, 1 de maio de 2010

A MAIOR COINCIDÊNCIA DO MUNDO!

As estáticas são um meio interessante de você ver o mundo. Funciona como uma espécie de análise matemática, gráfica e funcional da realidade em que vivemos. As nossas relações em comum, nossa vida social, nossos sonhos e anseios.
Existe um advérbio derivado da palavra estatística que, devido ao seu grande emprego em textos estatísticos, virou um verdadeiro lugar comum, principalmente em ocasiões em que você não tem a mínima idéia do que está falando, mas precisa de alguma palavra que lhe dê respaldo técnico e soe de forma a torna-lo dominador do assunto.
E assim nasceu a palavra estatisticamente. Em textos políticos ela aparece para embasar discussões a respeito de renda; em textos universitários para encher lingüiça, e em termos práticos não serve para nada mesmo.
E em termos de leitores para meus livros ela surge empregada de um modo defectivo, ou seja, estatisticamente não se tem noção de quem lerá seu livro. Isso porque, se partimos da análise lógica que subverte a ciência, ou seja, a de que os iguais se atraem, é, estatisticamente falando, muito difícil achar alguém que compartilhe as mesmas idéias que eu, e, assim, goste e leia do que eu venha a escrever.
Se meu analista ler isso, vai pensar em me receitar algumas doses de algum antidepressivo da moda para tentar cuidar da minha auto-estima. Mas ele não precisa se preocupar. Estatisticamente falando estou entre tantos escritores que não saem do seu ostracismo e escrevem para milhões de pessoas que não sabe se, algum dia, alguém lerá os seus escritos.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

E COMO A POLÍCIA FUNCIONA

Desde as últimas ondas de ataques, pânico e violência que ocorreram na cidade, a Polícia de São Paulo ganhou rótulos contundentes, desde ineficiente até falida. Mas, ao mesmo tempo, conseguiu reunir um quê de respeito entre as mesmas pessoas que a viam como um espectro fiel da inoperância do Estado dentro de uma de suas atribuições mais importantes: a de defender o cidadão.

Assim, mesclando heroicidade e vileza, a Polícia renasceu aos olhos da opinião pública como uma instituição da qual dependemos para nos proteger e nos defender dos criminosos... Embora na maioria das vezes isso não aconteça. Por isso, nada mais prático do que entender basicamente como funciona essa Instituição. Acreditem! A Policia da paulicéia desvairada do poeta realmente funciona... talvez não como devesse... Mas funciona.

A primeira coisa que se deve saber é que não existe uma só Polícia em São Paulo, e sim duas. Pode parecer absurdo, mas muita gente confunde Polícia Militar com a Polícia Civil, e acham que ambas são a mesma coisa, quando na verdade estão divididas por um abismo enorme chamado atribuição de função.

Para entender bem a diferença, basta se lembrar do seguinte: A Polícia Militar é preventiva, ou seja, ela existe para inibir que um crime seja cometido. Já a Polícia Civil é investigativa, atua somente quando um crime ocorre e procura identificar o culpado.

Segundo ponto importante, mas muito importante mesmo: A Polícia de São Paulo não é igual a Polícia de outros países, muito menos aquelas da televisão Esqueça CSI, Lei e Ordem, Crossing Jordan, Monk e as reportagens do Discovery Chanel e National Geographic. Como diz a letra de uma música, “aqui embaixo as leis são diferentes”.

Embora as técnicas de investigação, o aparelhamento tecnológico e as últimas novidades no campo da ciência forense sejam amplamente conhecidas por todos nós, inclusive pela Polícia, em São Paulo, e em todo o Brasil, não temos o mesmo aparato técnico e pessoal visto através da televisão.

Mas nem por isso a Polícia deixa de encontrar e prender os criminosos.

Certa vez um ladrão de bancos foi preso em uma Delegacia de São Paulo. Com várias passagens pela polícia por crimes diversos, ele se recusava em fornecer o nome de seus outros comparsas e onde o dinheiro roubado estava escondido.

Apesar da “pressão” (não entendam por agressão) exercida pelos investigadores e pelo Delegado, o assaltante se recusava a falar. Mentia. Falava uma coisa. Depois desmentia. Deixou todos na sala cansados e, ao mesmo tempo, aptos e desejosos em lhe aplicar a “psicologia do toque” (agora sim entendam por agressão)... O que, logicamente, é proibido.

Eis que um investigador já “antigão” (é assim que chamam os mais velhos), que até então assistia a tudo de um canto da sala com cara de poucos amigos, levantou-se e andou em direção ao acusado acendendo um cigarro. Em passos vagarosos, ele se aproximou do acusado com o cigarro aceso. Após dar uma bela tragada, envolto pela fumaça, ele apontou a pequena porção de fumo enrolada num papel para o ladrão e perguntou, com uma voz calma e serena e ao mesmo tempo sinistra: “Quer?”

Não sei ao certo o que o assaltante entendeu. O Policial jura que quis apenas lhe oferecer um cigarro. Mas o ladrão, com os olhos esbugalhados, suando por todos os poros e tremendo na cadeira, acabou entregando todos seus comparsas, onde o dinheiro estava escondido e outros crimes dos quais nem era acusado... coisas que nem o usando muita porrada ele revelaria.

Uma tática de investigação simples e eficiente. Geralmente é isso que se busca nas investigações. Mesmo porque, a Polícia funciona de uma forma lógica e ordeira. Não pense em chegar no Distrito e pedir para fazer um Boletim de Ocorrência só porque você quer dar um susto em alguém. Muito pelo contrário. Você deve estar muito bem preparado para explicar o que aconteceu, como, aonde, com quem e por quê. Nunca se esqueça disso. Pois tem gente que esquece.

Era quase três horas da manhã quando uma família rompeu porta adentro na Delegacia. Uma mulher toda de preto e com cara de ofendida, acompanhada por uma garota já maior de idade, com calça de cintura baixa, salto agulha,bustiê e cara de santa do pau-oco, juntas com um pai cabisbaixo, visivelmente contrariado por estar ali, chegaram querendo “abrir” um B.O.

A ocorrência: Estupro. A história: A menina foi até uma festa, onde encontrou seu ex-namorado que “abusou dela”. A Delegada de plantão logo desconfiou e perguntou quem mais estava na festa. Segundo a garota, apenas ela e cinco outros amigos. Sim. Amigos, no masculino.

A Delegada perguntou o que tinha na festa. Bebida, a garota respondeu. Alcoólica. Da qual bebeu apenas dois ou três golinhos. E depois? Sem pudor, a garota revelou que o clima esquentou e acabou rolando uma maior intimidade entre os amigos e ela.
“ E você deu pra todo mundo?”, perguntou a Delegada para uma garota já enrubescida, que respondeu apenas com a cabeça e arrematou dizendo que ela quis dar pra todo mundo sim, mas como estava meio bêbada não viu que o seu ex-namorado, para quem ela não queria dar, havia chegado e participado da festinha também.

Resultado: Nada de Boletim de Ocorrência. Segundo a Delegada, não era crime afogar o ganso se a cerca estava aberta. Além disso, ela era maior de idade. Deveria, pelo menos, saber o que estava fazendo. A mãe deixou a Delegacia ainda ultrajada. O pai agradeceu aliviado por não escancarar ainda mais o que a filha já havia escancarado. E a garota saiu da Delegacia após deixar o número do seu celular com um investigador.

Absoluta seqüência lógica: Onde, como, quando, quem e por quê. Mas não se assustem. Apesar de perseguir essa linha, a nossa Polícia é tão eficiente que, às vezes, consegue subverter até mesmo a lógica. E aí estamos falando do famoso “jeitinho”, ou, traduzindo para uma expressão mais conhecida, “não tem como deixar isso prá lá que eu te dou um cafezinho?”

Certa vez o dono de uma padaria foi preso pela Polícia Militar dirigindo embriagado. Levado ao D.P., pediu para conversar com o Delegado, que o recebeu sozinho em sua sala. Conversa vai, conversa vem, o comerciante acabou usando a expressão mais conhecida acima escrita. E como fruta podre tem em toda árvore madura, o Delegado se interessou pela oferta.

Perguntou se ele tinha uma “nota”. O dono da padaria não entendeu O Delegado resolveu simplificar. Perguntou se ele tinha uma "corrida", uma "gasolina", um "qualquer", um "cascalho", um "cruzeiro", uma "mussarela". O dono da padaria, que não era português, fez um sinal que entendeu. Com os dedos de uma das mãos estendidas, O Delegado fez o sinal. Cinco? Perguntou o padeiro. O Delegado confirmou. A mussarela então fica em cinco? Perguntou novamente o padeiro piscando um olho. O Delegado confirmou de novo, e ele saiu da Delegacia todo contente, prometendo voltar para acertar o combinado.

Minutos depois, o comerciante chamou pelo Delegado no estacionamento do D.P. Disfarçando, o Delegado foi até ele. Nervoso, o dono da padaria levou a Autoridade até o porta-malas do seu veículo e lhe disse: Eu trouxe até um pouco mais. Sabe como é, né? A situação ta difícil pra todo mundo, mas como você me ajudou, eu vou te ajudar também.

Enquanto o Delegado já esfregava as mãos, o comerciante abriu a porta e tirou uma enorme e suculenta peça de mussarela de sete quilos. Incrédulo com a situação, o Delegado ficou segurando a sua mussarela com as duas mãos, enquanto o comerciante foi embora feliz e satisfeito por ter se dado bem com a Polícia.

Mas não se enganem. Isto é um fato atípico. Geralmente, se algum Policial corrupto fecha um acordo com você, tenha certeza de uma coisa. Ele vai ser o primeiro a desfazer o acordo e, se algo sair errado, vai incrimina-lo com certeza.

Basicamente é isso. Como disse José Saramago uma vez, a Polícia existe para investigar delitos, não para desvendar mistérios. Se você acha que as situações acima são insólitas e não passam de ficção, faço um convite a você. Visite uma Delegacia. Sim. Isso mesmo. Peça autorização para ficar ali, não como vítima, mas como observador.

E aí você irá entender melhor porque, apesar do próprio povo, a Polícia funciona.

domingo, 25 de abril de 2010

Não mais que um - Texto de exercício

Em 1990, a escritora Hilda Hislt declarou-se a respeito dos leitores, críticos e editores que rotulavam sua obra como hermética e inatingível do ponto de vista comercial: “Eu me sinto uma tábua etrusca”, disse ela ao romper as amarras sociais de boa moça e enveredar por uma literatura que chocou a crítica e leitores mais comportados.
Hilda aprofundou-se no universo da consciência humana tanto explicada por Freud e que todos nós, por moralismo ou simplesmente por hipocrisia, deitamos de lado e pejorativamente classificamos como pornográfico.
A hercúlea coragem de Hilda a ascendeu a um sucesso consensual entre crítica e público. Para aqueles que não a entendiam, sua obra passou a ser visceral, quase um mito, enquanto que aqueles que a criticavam ou a apunhalaram de vez ou reconheceram a sua tarimba literária.
A atitude libertária de Hilda me levou a uma reflexão acerca de quem seria o leitor para meus escritos. Frente aos meus dissabores de crítica e nenhuma bem-aventurança comercial, pego-me a pensar se me encontro no mesmo patamar que ela, ou seja, se estou escrevendo em iídiche e não atendendo a ânsia dos leitores brasileiros, ou se sou um ser estrelado, com capacidade de criação surreal, tão a frente do meu tempo que não sou reconhecido pelos meus iguais.
Confesso que me intriga, e me causa até um certo pânico, reconhecer ou creditar uma característica, por menor que seja, a quem leria um texto meu. Ou melhor, de quem gostasse de ler um texto meu, mesmo porque um texto escrito é como prostituta de bordel: Se a forma e o visual interessarem, se tiver um assunto interessante, pode-se acreditar que vale a pena passar alguns minutos em sua companhia... e pagar para ver, literalmente.
Devo fazer o que o povo quer ou o que eu quero? Sabemos que atualmente a voz do povo não é exatamente a voz de Deus. Hoje, os vícios, as idéias, as opiniões, a alegria e a tristeza de uma nação são comandados por grandes mídias que ampliam seus tentáculos para todos os níveis da sociedade, focando sempre uma única idéia: Comprar, comprar e comprar, mais e mais. Um capitalismo selvagem ao extremo.
E eu aqui. Tentando definir um tipo de leitor para textos que nascem de uma idéia particular, de uma visão angular sobre um fato, um gesto, um gosto, um pecado; ganham pernas, mãos e braços, e tentam agarrar apaixonadamente quem estiver a sua frente. Mas apesar de ser tão grande é tão igualmente frágil, solitário e vergonhoso, e ao primeiro sinal de insatisfação desaba para dentro de uma gaveta fria e escura, o purgatório para quem tentou ser tudo num universo onde tudo é relativo.
E aí esta o dilema: Para quem eu escrevo? Para aquele que lê por gosto ou lê por esforço? Para aquele que é instruído e criativo ou é instruído para criar? Para aquele que me compreende ou não é compreendido? Não tenho e não sei quem seria o meu leitor.
Na minha mais pueril concepção sobre ser um escritor, acreditava que um livro meu seria lido por todas as pessoas do mundo. Agora eu entendo que isso jamais acontecerá. Isso porque eu ainda me encontro na mesma encruzilhada de Hilda Hislt: Metade quer ser feliz, fazer lançamento na Livraria Cultura e ser traduzido em doze idiomas; mas a outra metade que ser mais feliz ainda, encontrar um leitor, talvez apenas um mesmo, que me abra um sorriso e diga sinceramente: Gostei do que você escreveu!

Fotos e Saudades

Lembrar dos tempos idos é lugar comum em comemorações. Ainda mais quando temos um grande passado para comemorar. Como os 450 anos de São Paulo. Uma história gloriosa e edificante, criada por pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo que chegaram a esta cidade, tiveram um arrebatamento amoroso por esta terra, por essa garoa, e acabaram ajudando a construir a nossa cidade de São Paulo.
A cidade será cantada em verso e prosa, suas belezas e riquezas serão enaltecidas, declamações amorosas e votos de um futuro esplêndido serão entoados por toda a cidade. E, invariavelmente, veremos e reveremos fotos.
Fotos antigas, a maioria do início do século passado, retratando particularidades da cidade. Sua geografia naqueles idos, sua gente, suas festas, seus casarios, suas personalidades.
Também observaremos fotos atuais. Da avenida Paulista de hoje, contrastando com a Avenida Paulista de chão de terra e iluminação a lampião de gás de tempos atrás. Do Viaduto do Chá, reinando soberano sob um Vale do Anhangabaú arborizado e urbanizado, com lâmpadas de mercúrio a iluminá-lo durante a noite, em contraste com aquele perdido em meio a um vale cruzado por ruas, carros e pessoas há cinqüenta, sessenta anos atrás.
E ouviremos a palavra saudade. Saudade de um tempo que não volta mais, saudade de uma realidade diferente e adversa da que temos hoje, saudades de uma realidade paulistana evocada sempre a partir das maravilhas dos tempos passados.
Nos mais saudosos paulistanos, seja de alma ou de coração, tais recordações inflam o peito. Fazem brotar no rosto um sorriso plácido, abrilhantam os olhos e faz murmurar entre os lábios a célebre frase de efeito que conhecemos para deixar registrado nossa emoção contemplativa de épocas passadas: Ah, como eram bons aqueles tempos!
Será impossível não falar das épocas passadas nessas comemorações dos 450 anos da cidade. No entanto, serão apenas as épocas gloriosas, aquelas que fizeram jus a um foto, a uma recordação maior, que serão sempre rememorados, não se fazendo menção aos problemas sofridos, e superados, daquele período específico.
O que parece que estas pessoas saudosas de uma São Paulo de tempos atrás não percebem é que a cidade não é ruim nem boa. São Paulo não suporta rotulações, porque é mais que um espaço geográfico densamente povoado. A nossa cidade é puro movimento.
Aqui há um mundo em eterna oscilação e expansão. Sua mobilidade consiste num contínuo estado de mudança entre o ser e o estar de suas ruas, dos seus prédios, de suas indústrias, de suas pessoas. Não é um lugar melhor nem pior do que há 450 anos atrás. Mas é sim, a cada momento, a cada segundo, a cada instante, diferente e surpreendente.
Diariamente, São Paulo perde e ganha muitas coisas. Faz parte da ordem natural do desenvolvimento. Por força do crescimento perdemos um rio caudaloso e pesqueiro como o Tietê. As chácaras do Pacaembu, as fazendas do Morumbi. Não podemos mais ir de trem até o Jaçanã, tampouco pescar nos lagos da bacia do Aricanduva. Fazer piqueniques nos bosques da Saúde ou assistir a uma tourada onde atualmente é a Praça da República.
Mas isto não significa que nossa cidade esta fadada à dureza de um concreto frio e insensível, aos vapores ojerizantes de sua poluição, ao descambo de seu crescimento desordenado e do seu trânsito caótico.
Ainda podemos sentir uma brisa refrescante ao final do dia andando pelos parques espalhados da cidade. Esquecer do trânsito e usufruir a modernidade do metrô para chegarmos aos quatro pontos da cidade em questão de minutos. Esquecer um pouco do trabalho do dia-a-dia ao observamos o pôr-do-sol no Alto de Pinheiros. Regorgijar-nos nas festas de San Genaro na Mooca, ou na de Nossa Senhora Achiropita no Bixiga.
Podemos curtir noites aprazíveis circulando pelos teatros espalhados pela Bela Vista e os cinemas existentes ao longo da Avenida Paulista. Ficar na dúvida em qual pizzaria jantar, ou em que Shopping fazer compras. Curtir a vida boêmia da Vila Madalena, o frenesi da moçada da Vila Olímpia e os shows e o talento do pessoal da periferia da Zona Leste e Zona Sul.
São tempos outros. Tempos reais e distantes daqueles em que automóveis raramente ocupavam as ruas, bondes tracionados a burros e depois à energia elétrica cortavam a cidade, o Teatro Municipal era freqüentado apenas pela elite burguesa e a palavra pressa ainda não fazia parte do cotidiano da nossa cidade.
E todas essas mudanças só foram possíveis porque São Paulo, de uma terra santa no nome e povoada a princípio por gente também santa, acabou sendo ocupada por gente guerreira e batalhadora, lutadora e incansável em perseguir seus objetivos. Acabou não sendo uma cidade só de Paulos ou de Anchietas. Mas de Manuéis, Josés, Marias, Pedros, Anas, Eikos, Henrys, Torstens, Juans, o mundo inteiro. Uma cidade que não se limita a alguns quilômetros de extensão, mas que se expande dentro de si mesma para o resto do mundo.
Sinto orgulho do passado da minha cidade. Honra-me ver São Paulo como ela é atualmente e ter o prazer em atuar em seu eterno processo de mudança. Eu amo o que esta cidade foi, o que ela é e o que ela virá a ser daqui a cem, duzentos, quatrocentos e cinqüenta anos. Seja através de fotos. Seja através desse sentimento único que é viver em São Paulo.

Teoria das Batatas

E NÓS, AS BATATAS...


“ Não eram comedores de batata
Como supôs o holandês

Nem comedores de mandioca

Vivem eles mesmos na terra
Desenraizados

Mostram suas cascas sujas e ásperas (...) “

Eliane Machado



Talvez fosse possível, e Shakespeare bem que poderia conceber, numa tarde ensolarada de domingo, almoçando solitariamente em um Macdonald´s de um grande Shopping Center mais próximo de sua residência, durante a devoração de um Big Mac acompanhado de batatas fritas e Coca-Cola (diet para não engordar), a seguinte premissa com toda a naturalidade e inteligência que lhe eram peculiares: Há mais semelhanças entre nós e as batatas do que supõe a nossa vã consciência.

É mais certo que não. Mas também não é impossível imaginar.

Nós, homens, seres belos, animados e racionais, sempre temos a tendência natural de abolirmos ou repugnarmos qualquer semelhança ou comparação com os outros elementos naturais da Terra, ou seja, os seres animais, vegetais e minerais. Basta puxar pela memória e lembrar o quanto custou para o mundo aceitar a idéia de que o homem veio do macaco e não de Deus. Não que eu acredite que o homem veio da batata. Quando você estiver comendo um saco de batatas fritas não se preocupe, pois não estarás cometendo batatofagia nem desejando a mulher do próximo (no caso, a do Seu Batata). Mas a encare de frente e reflita: Você vai ver que nossa vida tem muitas semelhanças com a vida útil de uma batata tanto quanto a certeza de que evoluímos a partir do macaco.

Esta é a idéia. Nossa vida é igual a vida de uma batata, e tal como tem um ciclo de vida bastante parecido dentro do nosso bio sistema capitalista selvagem amplamente globalizado.

Senão vejamos. Nós, homens, quando nascemos, não temos ainda aquela consciência crítica e auto-sustentável dos nossos semelhantes. Nascemos sem o grau de consciência descrito por Rousseau e, portanto, não nos relacionamos no mesmo nível com os outros seres. Vivemos na dependência dos próximos a nós. E como já foi comprovado cientificamente, nossa personalidade e vida futura dependem muito da quantidade, e qualidade, de afeto, carinho, atenção e educação que recebemos na nossa primeira fase de vida. Nascemos com uma casca - o que impediria, numa alusão à bíblia, a inserção do pecado em nossas vidas, e vimos ao mundo de maneira imaculada, embora pura; imperfeitos, inaptos a viver nesta nossa sociedade. Sujos com o sangue e excrementos da nossa própria mãe.

A mesma coisa ocorre com a batata. Como todos os vegetais tubérculos, precisam de um solo propício para se desenvolverem, cuidados com sua plantação e boas condições para se desenvolver e vir a crescer, até ser arrancada das entranhas da terra (a mãe terra) e se integrar a sua sociedade, estando também ainda com sua casca suja e imprópria para consumo, ou melhor, integração social.

A casca que circunda o homem logo após o seu nascimento vai sendo limpa, aparada, cuidada, para que logo ele possa ser incluído em nossa sociedade. Com as batatas, o análogo processo de beneficiamento visa coloca-las dentro de um saco. E enquanto as batatas são selecionadas e lavadas, nós, homens, recebemos esse mesmo tratamento através da escola, religião, família, que nos introjeta valores morais da nossa sociedade, destacando-nos entre os muitos outros iguais a nós. Enquanto as batatas são ensacadas, os homens são inseridos em divisões estamentárias sociais e econômicas praticamente intransponíveis que, por serem tão rígidas, assim como ocorre com as batatas, salvo por sorte econômica, política ou erro do produtor, jamais acabam se misturando.

O futuro, tanto para os homens quanto para as batatas, é a sociedade de consumo. Ambos serão comidos, deglutidos, dilacerados, sempre de acordo com sua posição social ou preparação para o consumo. Tal como os homens, as batatas também são discriminadas para serem aceitas em uma determinada feira, empresa, restaurante, supermercado ou na escola. As batatas, assim como os homens, também são divididas em várias partes apenas para realizarem uma única tarefa ou darem um único prazer. Para tanto, umas são cortados em forma de palitos e apresentadas junto com hamburgueres, outras são fatiadas em rodelas e acondicionadas em sacos brilhantes, tantas são trituradas, amassadas, ou têm retirado apenas sua força vital (a fé-cula) para dar sustento ou gosto para outros pratos, outros prazeres, outras apresentações, acabando por nunca se aterem ao fato de que são capazes de realizar muitas outras coisas ao contrário do que lhe ordenam e instruem a fazer.

A divisão do eu da batata e do eu do homem é essencial para o total aproveitamento de ambos pela sociedade.

É raro o homem que mantém - e aplica - todos os seus atributos e considerações morais e sociais, conquistados, ensinados ou refletidos ao longo de sua vida. É necessário, sempre, que ele abra mão de algum valor interior para poder dar sustento ao seu valor principal, sua própria vida... Embora atualmente muitos homens estejam tão divididos em si mesmos que nem esse valor levam mais em consideração. Assim como a batata, o homem também se divide em vários outros “tipos” de homem para dar sustento a ele e a sua família; se abnega da sua própria moral para manter-se em um determinado emprego, se sujeita a deixar de lado seu espírito intelectual para ganhar mais dinheiro em um determinado local, etc e etc.... tal como a batata, que nunca poderá ser ingerida de uma única vez sem ser cortada, amassada, cozida, frita ou assada .

Esse é o fim do homem. Vence, ou morre triturado por uma enorme boca de dentes invisíveis, mas poderosos e devoradores. Aquele que estiver mais bem preparado, mais bem empregado, mais bem disposto, contendo ou sabendo todas as novas invenções tecnológicas, ostentando beleza e dinheiro triunfará digestivamente no sujo estômago capitalista. Não é por menos que as batatas do Macdonald´s fazem tanto sucesso. Selecionadas, sequinhas, crocantes, acompanhadas de catchup ou maionese, são uma deliciosa necessidade para saciar a fome de consumo e poder do sistema capitalista atualmente vigente.

Nós e as batatas somos iguais dentro da nossa sociedade de consumo. Temos até o mesmo fim. Ou somos honradamente e com sucesso consumidos por grandes grupos que nos usam para se manterem no poder ou fatalmente somos triturados para acompanhar outras provisões, ou produções de somenos importância para a elite.... isso quando não viramos tão somente batata-palha, que é a realidade de muitos homens: comum, não necessita de apresentação, pode ser digerida sozinha ou acompanhada, e não atrapalha o consumo de outros pratos, ou de outros interesses.